Ed. Cardernos Literários
Tribuna de São José
I - ÁRIA PARA UM VIOLINO ANOITECIDO
Eulália M.Radtke
Não é segredo que a memória
se esconde no fundo do esquecimento,
furtiva tarciturna
como um quartzo esfumaçado
de arestas agudas.
Não é a estranheza a quietude
de deuses galantes
sob a erudição dos claustros,
nem os falsos esplendores das deusas
ainda que a mais simples
ainda a mais nua.
Os ancestrais se guardam em lençóis
d'água subterrâneo.
Imóvel como um bonze antigo
plantado na praça d'uma aldeia
transmutado em signo indivizível
reside
o esplêndido sonho:
sob um estado ardente de lava
manchas transversais oníricas
desejo d'um silêncio eterno
um cortejo de vertigens lúdicas
-- bailarino ou matador --
obsceno-- axial
fecunda chama sagrada.
2- SUITE PARA UM SANTO CARPINTEIRO
Quando éramos tão silêncio
tão longe
tão densos de mata / ouro
avifauna -- cedros --bracatingas --pinho
quando éramos vertigem
ritos tingidos
aos duendes iluminados
cogumelos manchados,rígidos
quando éramos frutos pendidos
dourando a dança sagrada
dos astros,
um dragão dourado
persuasivo e grave
doído pela própria alma
como uma vaga inchada
situou-se no coração
das palavras: Deus e demônio.
Era assim :água plana
espelho feito de exatidão
idílio- heróico
luz surda atrás de todas as coisas
urdida
continuamente
em ouro e mirra,
um tecido de perfume adormecido
de vida cevada e medo
-- a gratidão sobrepôs a esperança --
inventada em Deus.
Quando éramos tão longe
face fechada
veio--vertente
num cortejo de alquimistas
ruidosos,crespulares
feiticeiros
fatigamos os cantos dos anjos
na virtuose d'uma voz dobrada
ceifando sementes
no peito adivinhado
ancinho -- a foice
martelo -- clarões
fauno transmutado
São José.
3- OPUS N° 1 PARA CORDAS VENTANAS DA SERRA DO MAR
Inventamos jardins de solidão
ordenada
pálpebras fechadas
protegendo sonhos.
Inventamos pena e gritos
armaduras espelhadas em homens tristes
dogmas herdados
sob peso e densidade das metáforas.
Homens frequentemente tristes
inventam jardins sépias,
afrodites voluptuosas e graves
assumidas na forma do vento
metamorfose
sob a pele d'uma flor
ou d'um buquê de Renoir
Grandes versos noturnos
sonolentos
de luz sinuosa amoldando
sombras
ovais -- contidos ao plano
divino, eternos,fluídos
com a resistência pacífica do mármore
transpõem
Serra do Mar.
Vento mínimo
vento tanto,
aparas de copa
jardineiro de sementes intocadas.
Ai véu de nós!
--hóspede fecundo dos enígmas--
translado do que nos resta
o que destina o coração
na dança da eternidade.
Ái tabuleiro e asas
altissonantes
gorjeio alumbrado
onde se entesa o sonho
sob os lamentos das cortinas
etéreas!
Ái! Serra do Mar!
4 -- OPUS N° 2 ÁRIA ASSOVIO E MISTÉRIO
Neste inventário de volúpias
temos gravuras do passado
quintais de celebração
rostos graves
uma fresta de luz dentro
um veio d’água -- faina
-- desalinhos
venerados símbolos.
Neste armário tímido,resplandecente
a sutil alquimia se enleia,
temos códigos
mitos de carne e sangue
incompreensívelmente divinos
paramentados títeres e vozes
ruminadas nos olhos lassos.
Antigo, intenso
um fio indesmanchável
trança a vida
como um cristal de rocha tange
a reza
a ressonância das fés.
O céu é aqui
a nódoa do vinho ali
sob castiçais escorridos
de velas amarelas
pulsares e estrias na alma.
No olhar do tempo envelhecemos
(insustentáveis)
carne enrigecida na bandeja exposta
sal e mel
amor transitivo
ou uma flauta de música tardia
de notas mais tensas,
telúricas.
Lembrar é coisa normal
num modo triste de certos
anoiteceres.
5 – VARIAÇÕES PARA CLARINETES DE
MARÇO
Num jogral da História
ou leve partitura rítmica
da memória,
folhas temporais tecidas em ouro
e pano divino
sem gládio e lança
mas numa eterna prece
ditam em delírios de tons
pastéis --- ambíguos
no chão quieto desta terra.
São os Josés dos Pinhais,
das vicerais estranhezas
-- a dama, o rei, o louco –
lendas e soberanias,almas de faustos
estirpes de amuradas sonoras,
oh coração humano
aparado da espessura do mundo,
oh imortalidade dos cavalos alados
sem dor orgânica
diferenciados apenas pelos sonhos,
oh poesia feita de marfim
imaginário
de barro e raízes sinuosas
incorporando sintaxe à terra,
Oh caramujos alastrados
vagarosos como algas a espera
d’um grande acontecimento
profundo.
O louco, o rei, a dama
numa pira olímpica
de palavras acesas
matizes
diamante das emoções mais pátria
catileno,
aqui deixou-se pendurado
o velo de ouro no templo
da lida
da pulsação
o segredo dos sumos
a ardentia dos desejos
murano --carrara
opalinas
cercadura ---criames
dialética
alucinação –sentinela
sonda sensorial urdida
gestos de aço fraudando
a morte.
Ai...!
O fruto aberto dolorosamente
mergulhado
ás duras disciplinas do espírito.
No fundo do retrato lustrado
rítmico e eterno
São José dos Pinhais.
A MESA POSTA
Eulalia M. Radtke
CEIA DAS ETNIAS
Ed.parede do jardim do Banco do Brasil
em São José dos Pinhais -PR
em São José dos Pinhais -PR
Na mesa
o pão
o vinho
o poema.
Pela janela
o matiz da natureza
inteira
como grandes vinhedos
no coração da existência.
Na casa
a luz
a ânfora dos lírios mudos
o anfitrião.
Pela porta,
o perfume de vida inteira
como a fonte envelhecida
do vinho sábio.
Na história,
o homem
a vida
a morte
Pelo coração
a performance das metáforas
como a exatidão do vinho
no fio do poema.
Merece ser publicado...
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