sábado, 12 de fevereiro de 2011

II ATEMPORAIS DE MITOS

Em pórticos de leões atavios
Atraído de inveja divina
                                   Agamênon
afia gume d’um punhal celeste.

Um louco profetiza na sombra.
É Zeus – guardião de ruínas –
sob a muda provação do silêncio.

Imóvel simples e nua
a fatal beleza de Helena
                               é simetria brida.

Cassandra adivinha futuro,
prefere a servidão
aos braços de Apolo.

É lá que se vão os cavalos
num trote ligeiro de Aquiles.
É lá que entesa o sonho
no desejo mais ardente de Fedra.

Fecundo quieto lunar
Hipólito hospeda  deuses moribundos
num perfume de ervas e astros.

Urdida telúrica avolumada
                                  em Olímpia
o leite de Hera
d'um seio mordido e jorrado
cobrem olhos bovinos, diáfanos.

Nos cântaros
a oliva é  azeite sagrado
nas mãos ventrais de Artemis.

Nas asas de Vitória
os sátiros paradoxais
espreitam a velheira do mundo.

Atena, grave e alerta
enruga no templo de
                            Lindo.

Afrodite suspende os gestos
para ser imagem rígida
 num curto instante de
                              eternidade.

Inconclusa,
Atenéia logra  justiça
enquanto Pegaso não voa
doando suas asas à Alceu
sob o gosto antecipado do luto
                                         pela ruina.

Ulisses venera Penélope
Homero desvirtua.
Safo sagra mulheres análogas
                                      transidas
crava poesia no  corpo tangível
                                      de Lesbos.

Pan  renasce nos bambuzais.
Desconexas, Pitis e Eco
enlevam Píndaro a transplantar
                         o sonho em odes.

Poseidon Poseidon,
Édipo ainda vive e vê!
Encontrei-o cintilando
nos dourados bosques das oliveiras
                                           nodosas,
aqui, ali, no pão e vinho
nos corações de tantas casas.

Jocasta cora, quebradiça e
                                   fugidia.
Laio ressuscita num santuário
de sacrifícios votivos.

O "canto do bode"
ainda ressoa e arde na terra
-- há sempre um projeto de dor.

Eterno,
Dioniso dorme em Epidauro
sob a faina altissonante
de Ésquilo, Sófocles
                              Eurípedes.

O "canto do bode" arderá sempre
dolente e sonoro
sobre espelhos imutáveis da antítese
onde se guardam Cratino, Êupolis
                               Aristófanes.

Diógenes morreu.
Apagou-se a chama
na obscura avenida humana.

À sombra mistica de Pitárogas
os teoremas inexatos
escondem as dúvidas de Platão
em fios difusos.

Cioso, Protagoras observa a fera
inconsútil de nós
-- exércitos sofistas tantos --
e nem Hipócrates jura mais
nos sacrários  de Asclépio.

Do jogo à estranheza
e num assomo de lucidez tardia,
Sócrates tira o verbo da pedra
revela que mentiu
confessando que sempre soube.

Ai Medéia, Electra,
as troianas invadem Tebas!
Ancestrais e num antefim
transladam díspares armadilhas
                                       douradas.

Ai Heródoto,
a memória é olho sombreado
e esquecimento
nos atravessando a garganta
onde demônios e deuses
                                   respiram.

                   
                   Até aonde posso crer
                   em meus delírios,
                   em meus desvelos solícitos
                   d'uma  sobrevida ou catarse,
                   adormeci sob o átrio do Partenon.
                   Alimentada da providência
                   divina dos deuses silentes
                   meus sonhos sobrevivem implacáveis
                                           pontuais,
                   atemporais aos tributos todos.

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