domingo, 13 de fevereiro de 2011

ARQUIVO MORTO

          
                                       ( Um hino aos Pixotes de todo o mundo)
                                                             
                             
                                                                     Eulália M.Radtke
                      

 Livro-Lavra Lírica - Ed.Cultura em Movimento-2000)
                                   
1ª.carta- A Expedida
2ª.carta- A Recebida
3ª carta-A Encalhada


                       Lugar Qualquer , 12 de outubro
                                    de qualquer ano

EXMO.SR. TODO MUNDO


Sou o que necessita
da palavra
amor
do pão,
das vestes de um homem
                              digno.

Sou uma solidão
coletiva
- neste “palácio de espelhos” 
há bancos cheios
nas esquinas das ruas.

Sou
nesta melancolia presente
memória devorada,
onde o leite
(lua inesperada no horizonte branco)
onde o pão
(maré alta em vagão de luxo)
onde o respeito
(um fio de sol cortado)

Nas vidraças do mundo
sou  uma gota de luz
abandonada nas cabeleiras
da terra.


Sou herdeiro
de todas as solidões.

Sou o incômodo
                evitável
 no portal da tua casa.

Sou aquela herança
urdida
e necessária
para os moldes capitais.

Sou este campo geral
das coisas,
dos equívocos
                                      e esta medula cancerosa
na espinha dorsal
do meu
País.

E é nesse reino
de espantos
onde me acordo
 me  adormeço,
                       e sou feroz
                       e sou ferrugem  
sou baba corroída
no beijo do pássaro
ferida mão,
-presa rara
mas necessária (?)
nos subterrâneos silenciosos
                               da vida.

Dizem-me
que a flor metálica
visível em meu rosto
é a sepultura de meu
povo,
grade de meu nome,
-ferida aberta no corpo do mundo (?)

Dizem-me
que açoito minha carne
e não justifico  meu silêncio.

Tenho  os trovões
do medo,
cicatrizes
e o eco solitário
de todos os humanos.

Tenho cansaços
e arrepios
e o duro suor da existência.

Tu
que apontas a fragilidade
de meu sangue e fado ,

as  rupturas de minha estirpe,

meus instintos
e meus temores,

fazei de mim
a serventia da luz
onde o amor dorme
                             terno.

Tenho a sede  de todos
os anjos.
rachaduras no peito
e desencantos.

Tenho retratos de  amores
e cortinas transparentes.

Goteiras nos olhos
e taças transbordando
de vinho casto

Flores mansas
circos e trapezistas.

Tenho jardins  predestinados
a florescer
e frutos maduros
no trajeto das coisas.

Outonos e primaveras
entre o sonho e o sono.

Tenho  os instantâneos
da raiva,
o berro da alegria
e a dor torcida nos versos
dos poetas,

MAS SÓ NÃO TENHO
A TI.    
 (Ass. PEQUENO ESPERANÇA VON CRENÇA)





                                      Cidade Brasileira,
                               Eleições de qualquer época

                                                            



PEQUENO ‘CARO’


As flores ainda tímidas
brotam apenas pela metade.
Não vês
que o nevoeiro no caminho
                         é bastante?

Por que nos vens agora
com esta paisagem de pedra
               e flores temporais?

Que sabes tu da pedra
do rio, do mar
e da fugidia gaivota?

Amanhã iremos novamente
à casa de alguns amigos.
Falaremos de carros, moda,
cavalos,bolsas de valores
e “jogos de damas”.

Depois,
talvez suportaremos as sensações
na borda da boca do lobo

então olharemos as  flores tímidas
dos jardins deste País.

 ( Ass. COMITÊ DA VONTADE ACOMODADA)


Lugar qualquer,
12 de outubro de  qualquer ano
                                                                    


EXMOS.SRS.
DOS COMITÊS DA VONTADE ACOMODADA



É daqui
do meu reino amargo
de viver e conviver
que vos chamo,
com voz sempre nova
e sempre antiga.

Com desprezo
ou com ternura
podeis ouvir-me
                     agora?

Perdoa-me por chegar
assim tão de repente
neste vertiginoso leito
onde tudo se esquece.

Os sonhos
não pertencem só aos reis
e suas coroas.

Esta mão que vos escreve
é lavrada pela noite
que conhece todas as veias.

Estrelinhas dançam
e estão sérias
em ombros tantos.

E o menino atravessa
o cego na rua.

                           E a  mulher com adereços
de ouro no peito
inclina-se para acariciar
o meu rosto.

Estuda-se a voz
paradoxal
de louvor
com as mãos.

E grupos  potentes
como águias caladas
_vitalícias nas torres_
lançam nas colunas sociais
a rota ”Campanha da Fraternidade”,

enquanto respeitáveis senhoras
degustam biscoitos recheados
de idéias supérfluas
nos chás beneficentes.

Tudo passará sobre a terra.

Mas sempre é tempo de nascer,
nascer e nascer...
E meus fragmentos
serão eternos
como a sede do amor
na quietude dos quartos
                         e guetos.

E no suspiro lavado
no lençol,
e no mofo dos paredões
escuros,
sou mais um dos momentos
                              na terra.


Ah!
paisagem dura e exata,
__secreta mão num odor
de jasmins e gestos frágeis_
expulsa as veias aleijadas
pousadas sobre os movediços
tronos e impérios,

_a aranha tece sua casa
e eu sou um rosto de vidro
transparente
sem um fio de seda nas mãos.

Vacilam os meus ossos.

A casa onde habitei
durou nove meses,
tempo bastante
para  uma dívida E(X)TERNA.

Vacila a minha carne
_vaso sem flor_
na mesa da consciência social.

Agora celebrarei
o riso doído
frente aos pratos vazios,

abortarei nos cálices sagrados
do Vaticano
sob os desígnios das pílulas
                    dos inconseqüentes,

e o choro flechado
pelo frio,
ainda é e será nascido
no seio da rua.

Celebrarei ainda,
o brinquedo de plástico
na TV da loja
do homem de plástico.

E nos olhos,
uma vontade maior que o mundo
de ser
        FELIZ

 (Ass. PEQUENO ESPERANÇA VON ILUSÃO).

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