( Um hino aos Pixotes de todo o mundo)
Eulália M.Radtke
Livro-Lavra Lírica - Ed.Cultura em Movimento-2000)
1ª.carta- A Expedida
2ª.carta- A Recebida
3ª carta-A Encalhada
Lugar Qualquer , 12 de outubro
de qualquer ano
EXMO.SR. TODO MUNDO
Sou o que necessita
da palavra
amor
do pão,
das vestes de um homem
digno.
Sou uma solidão
coletiva
- neste “palácio de espelhos”
há bancos cheios
nas esquinas das ruas.
Sou
nesta melancolia presente
memória devorada,
onde o leite
(lua inesperada no horizonte branco)
onde o pão
(maré alta em vagão de luxo)
onde o respeito
(um fio de sol cortado)
Nas vidraças do mundo
sou uma gota de luz
abandonada nas cabeleiras
da terra.
Sou herdeiro
de todas as solidões.
Sou o incômodo
evitável
no portal da tua casa.
Sou aquela herança
urdida
e necessária
para os moldes capitais.
Sou este campo geral
das coisas,
dos equívocos
e esta medula cancerosa
na espinha dorsal
do meu
País.
E é nesse reino
de espantos
onde me acordo
me adormeço,
e sou feroz
e sou ferrugem
sou baba corroída
no beijo do pássaro
ferida mão,
-presa rara
mas necessária (?)
nos subterrâneos silenciosos
da vida.
Dizem-me
que a flor metálica
visível em meu rosto
é a sepultura de meu
povo,
grade de meu nome,
-ferida aberta no corpo do mundo (?)
Dizem-me
que açoito minha carne
e não justifico meu silêncio.
Tenho os trovões
do medo,
cicatrizes
e o eco solitário
de todos os humanos.
Tenho cansaços
e arrepios
e o duro suor da existência.
Tu
que apontas a fragilidade
de meu sangue e fado ,
as rupturas de minha estirpe,
meus instintos
e meus temores,
fazei de mim
a serventia da luz
onde o amor dorme
terno.
Tenho a sede de todos
os anjos.
rachaduras no peito
e desencantos.
Tenho retratos de amores
e cortinas transparentes.
Goteiras nos olhos
e taças transbordando
de vinho casto
Flores mansas
circos e trapezistas.
Tenho jardins predestinados
a florescer
e frutos maduros
no trajeto das coisas.
Outonos e primaveras
entre o sonho e o sono.
Tenho os instantâneos
da raiva,
o berro da alegria
e a dor torcida nos versos
dos poetas,
MAS SÓ NÃO TENHO
A TI.
(Ass. PEQUENO ESPERANÇA VON CRENÇA)
Cidade Brasileira,
Eleições de qualquer época
Eleições de qualquer época
PEQUENO ‘CARO’
As flores ainda tímidas
brotam apenas pela metade.
Não vês
que o nevoeiro no caminho
é bastante?
Por que nos vens agora
com esta paisagem de pedra
e flores temporais?
Que sabes tu da pedra
do rio, do mar
e da fugidia gaivota?
Amanhã iremos novamente
à casa de alguns amigos.
Falaremos de carros, moda,
cavalos,bolsas de valores
e “jogos de damas”.
Depois,
talvez suportaremos as sensações
na borda da boca do lobo
então olharemos as flores tímidas
dos jardins deste País.
( Ass. COMITÊ DA VONTADE ACOMODADA)
Lugar qualquer,
12 de outubro de qualquer ano
12 de outubro de qualquer ano
EXMOS.SRS.
DOS COMITÊS DA VONTADE ACOMODADA
É daqui
do meu reino amargo
de viver e conviver
que vos chamo,
com voz sempre nova
e sempre antiga.
Com desprezo
ou com ternura
podeis ouvir-me
agora?
Perdoa-me por chegar
assim tão de repente
neste vertiginoso leito
onde tudo se esquece.
Os sonhos
não pertencem só aos reis
e suas coroas.
Esta mão que vos escreve
é lavrada pela noite
que conhece todas as veias.
Estrelinhas dançam
e estão sérias
em ombros tantos.
E o menino atravessa
o cego na rua.
E a mulher com adereços
de ouro no peito
inclina-se para acariciar
o meu rosto.
Estuda-se a voz
paradoxal
de louvor
com as mãos.
E grupos potentes
como águias caladas
_vitalícias nas torres_
lançam nas colunas sociais
a rota ”Campanha da Fraternidade”,
enquanto respeitáveis senhoras
degustam biscoitos recheados
de idéias supérfluas
nos chás beneficentes.
Tudo passará sobre a terra.
Mas sempre é tempo de nascer,
nascer e nascer...
E meus fragmentos
serão eternos
como a sede do amor
na quietude dos quartos
e guetos.
E no suspiro lavado
no lençol,
e no mofo dos paredões
escuros,
sou mais um dos momentos
na terra.
Ah!
paisagem dura e exata,
__secreta mão num odor
de jasmins e gestos frágeis_
expulsa as veias aleijadas
pousadas sobre os movediços
tronos e impérios,
_a aranha tece sua casa
e eu sou um rosto de vidro
transparente
sem um fio de seda nas mãos.
Vacilam os meus ossos.
A casa onde habitei
durou nove meses,
tempo bastante
para uma dívida E(X)TERNA.
Vacila a minha carne
_vaso sem flor_
na mesa da consciência social.
Agora celebrarei
o riso doído
frente aos pratos vazios,
abortarei nos cálices sagrados
do Vaticano
sob os desígnios das pílulas
dos inconseqüentes,
e o choro flechado
pelo frio,
ainda é e será nascido
no seio da rua.
Celebrarei ainda,
o brinquedo de plástico
na TV da loja
do homem de plástico.
E nos olhos,
uma vontade maior que o mundo
de ser
FELIZ
(Ass. PEQUENO ESPERANÇA VON ILUSÃO).
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