3º POEMA CAMPESINO
Ed. Cadernos especiais -Tribuna de São josé
I
E então era guerra
coagulada no chão,
era água sorvida d’um tempo rude
sacrifícios e sonhos desprovidos
de esperanças.
Então o sangue põe no vento
os enigmas mais sólidos
da Galícia,
a linguagem pátria entre os panos
da mala, o pólem da flor íntima
da última vesná,
quando no chão se alastravam as sementes
não o coágulo d’uma guerra
inventada e reinventada
(I e II Guerra Mundial)
Pelos dédalos dilacerantes de grandes senhores.
D’um silêncio adivinhado pa
r
tido
-como a corda retesada d’um violino desafinado-
secretam vozes nascidas
de princípios:
heranças
cunhadas no suor do trabalho.
Agora os galeões eram
a rima e o rumo,
agora o inverno não chegaria
às estrelas
(como se fossem uma invenção humana)
nos vagarosamente distantes territórios
eslavos, polacos, húngaros
austríacos, russos e tantos.
À terra-mãe ucraína sem independência
marejava agora longe longe
sobre a linha invisível do mar
tecida de peso sonhos e esperanças
refeitas
arquitetados por todo o corpo
dos galeões morosos
no rumo do ocidente,
na rota do sol tropical
onde desfraldar o pendão aceso
na casa interior de cada ser,
onde substituir a folhagem morta
ou fruto cortado pelo meio
da História
deixada por ser escrita,
apesar das lágrimas.
II
Do oceano guardou-se os dias,
o cheiro dos viajantes
as vagas desconexas e temporais do medo,
algumas perdas
alguns planos
alguma canção cantada entre a morrinha do suor da
aflição
e a tez do sonho.
Na bagagem,
alguns pedaços da família:
um retrato
uma aliança
papéis amarelados
medalhas
um cheiro mais querido d’um véu
d’um lenço
uma jóia
um rosário
uma bíblia
um relógio de bolso ou um violino em verniz desbotado
para marcar o tempo do coração longe
ou tecer o som da Nação-Mãe
onde o inverno não chegará às estrelas.
III
E então era Serra do Mar
-sendas rociosas quando um céu
varado de luzes-,
agrimensuras vertiginosas
em abismos ressonantes
-inquietos olhos-d’água
inquietos rios
inquieto silêncio
aos pés d’algumas montanhas agregadas
num estirão da baixa
onde quase mar
onde quase nada
pedra
rochas
-impossível amanhar a terra.
Então os enigmas da Galícia
aventaram c’os ventos do Sul
arriando a caixinha dos mistérios
(onde sementes por germinar)
e fundar o “Reino Rutheno”.
Era então as sendas verdes
De Castelhanos,
caboclos espreitando raios de sol
flechas e pássaros de cores tantas
e o Rio São João lavando
em c
o
r
r
e
deiras e salgueiros in
cli
na
dos,
aterra prometida, agrimensada
pela Inspetoria Geral de Terras e Colonização.
Mas pássaros inquietos migram,
migram das florestas insondáveis
- ali não formaria ninhal
criames
nem lenhadores
sob as espadas reluzantes dos gnomos tropicais.
E quando tudo virou trapézio
e desencanto
formaram-se asas e homens alados
num voo irreverencioso
dentro do tempo
- para não torna-lo coisa morta-
ou cactus vergados sobre a curva
do caminho desconhecido.
No fio do facão
vencer agora as escarpas
-metade asa metade homem-
nos olhos,
o fogo da lavra
nas mãos o lenho da lida
e brotas,
...brotar sim
em outro chão.
Ainda que nas hastes
da vida breve
-deste mundo de viver transitório-,
velas flores choro
e mortalha
fez-se trilha,fez-se covas
no átrio quieto da morte
-o cemitério ucraíno
na Colônia Santos Andrade.
IV
Ai...! invocar os poderes
da estrela cadente
as forças ocultas -os mistérios da fé.
(Dizem um cavaleiro
túnica longa,salmos no missal
- um sacerdote de Deus-,
dizem os relinchos convergiram
a outro eixo:
cercanias da Faxina
Campestre, Espigão
Colônia Matos,Queimadas
Retiro, Rio Abaixo
dizem)
Uma nota ouvida n’algum lugar
da Galícia
estendeu a toalha ponto em cruz
como destino.
Numa paisagem agora quase idílica
cravar no corpo da terra latina
os esboços de um desígnio.
A língua é grave,
circunscrita.
E como os heróis d’um romance
ainda mais antigo,
ou uma toalha bordada
com significado de ventura,
além densos
além dorso cansado
além reza
além dignos em Deus,
qual pêndulos ardentes de fé
-obreiros artífices-
onde a esperança tornou-se o húmus
da lavra e da vida.
Então ali Marcelino
( o coronel)
Um empório fincado no chão
- na saga dos mantimentos
o escambo pelas terras
velhos donos pagando dívidas e apagando
dúvidas na caderneta sisuda do Coronel.
Então ali o ouro do trigo
hoje esquecido nos moinhos q’as águas
não movem mais.
Ali a sagração da pedra fundamental
dos Ritos Orientais ucraínos
da Santíssima Trindade,
ali os Ritos Latinos
de São Pedro e São Paulo.
V
Dir-se-ia: trabalhar,
trabalhar até o fim
pois tudo é perecível
(onde as reflexões de um povo se desenvolvem
por si num rito da natureza e das estações).
Sob o pinho resinoso
saído do entresseio da terra
murmurava agora um rio anscestral
de todos,
uma porção de magia empilhada em qualquer
lugar de fazer.
Na galheta ,o carmim do vinho
sagrado,
a hóstia concebida dos céus
nas bocas silenciosas:
Sluchba Boyha
-é domingo
dia especial
d’alma reverenciada .
Amassar o pão,
varrer o chão do tempo
depois das noites caladas
de ventos e espreitas,
porque o dia deita cedo
e todos se encerram breves ao sono.
Pudessem os olhos rutilar
todos os símbolos todos os signos
do barro sob os pés
d’um céu de luz sempre
das águas caídas dos trovões
dos entardeceres cinza-prata
quando as folhas outonais se amanham no chão,
dos nevoeiros invernais
aquecidos numa coberta de penas,
das primaveras(vesná)
de florescer a flor primeira
onde as mãos também colhem a segunda
(flor e talo)
entre abelhas de mel
e borboletas de arco-íris
-o ouro do campo arado, a camomila-
e dos verões de sol cálido,
quando as cobras varam galhadas e touças
farejando ovos:
e o joão-de-barro agita as asas
na cumieiras da casa,
as rolinhas catam sementes miúdas
os pardais bicam formigas voadoras
as gralhas ainda azuis
ainda replantam pinheiros
a araponga de canto fino
anuncia que ainda vive
o canário-da-terra alvoroça o dia
por nascer.
Escolher o queijo,
ungir com manteiga
o pão de milho dourado.
À mesa:pirogue
kutiá
haluchki
e bênção.
Na roça: pau-de-raposa
quina-do-mato
as lebres comem repolhos
os tatus se guardam em trilhas subterrâneas
as perdizes,
fogem dos cães,lagartos e caninanas.
Taras Cheuthenko
é o rosto da poesia.
João Baram retesa as cordas
do violino
fazendo embrenhar na alma
a música da tradição,
os acordes da Ucrânia
-a distante mas presente e eterna Ucrânia.
E lá
bem mais perto do lago sereno
onde a escola é vida pulsante,
as Servas de Maria Imaculada
reduzem a dor e a solidão da velhice
predestinada
sob o manto terno de Nossa Senhora do Amparo.
Porque antes, bem mais antes
quando a pele lisa não conhece
estrias
e os ossos,músculos e carne
são frutos por madurar,
a vaidade calça tiabot
e veste sorótika –bartuchoc -charovare
pítetika -plaxta
adornando com renda
para tornar reis e rainhas
com a mística da vinotchok,
e Deus abençoe a magia sonante
do Previt -Keno Kujil- Suchitka
Kozatchok-Hopak,
porque a vida continua na lida
porosa
e transpira e inspira
e tornará a nascer sempre
de sangue e raças
ainda que muito longe das raízes
ancestrais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário